segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Fantástico acompanha o drama de quem passa a noite com medo de desabamento

O repórter Maurício Ferraz passou a madrugada de quinta para sexta-feira(22) em uma área de risco, no Grajaú, na periferia da Zona Sul da capital.


Caos, desespero, mortes. Quem vive na Grande São Paulo está assustado. Na capital, são 480 áreas de risco, segundo a Defesa Civil. Em uma delas, os moradores estão em alerta máximo. O pânico se espalha.

O Fantástico passou a madrugada de quinta para sexta-feira(22) em uma área de risco, no Grajaú, na periferia da Zona Sul da capital. Na noite anterior, um temporal castigou São Paulo e cidades vizinhas. Em um dia, nove pessoas morreram soterradas, três no Grajaú: José, Maria e a filha Rosângela, de 9 anos. A casa onde eles estavam desapareceu, debaixo de toneladas de pedras e lama.

O desmoronamento também atingiu a casa vizinha. Um quarto ficou todo destruído e o que impressiona é que, no dia do deslizamento, três irmãos dormiam no local: um de 20 anos, outro de 13 anos e um de 15 anos. E os três escaparam sem ferimentos.

A parede desabou, mas a cama ficou intacta e não quebrou. Fez-se uma espécie de cabana. Eles tiveram sorte.

Na noite que nossa equipe passou na rua da tragédia, choveu quase o tempo todo. Por volta das 23h, o barulho de duas movimentações de terra preocupou os moradores.

O cozinheiro Emerson Souza chegou a subir na laje, para saber a dimensão do perigo. “Não dá para dormir. A gente fica preocupado, com medo. Do jeito que aconteceu, não dá para fechar o olho e esquecer”,

À 0h30, as ruas ficaram praticamente vazias. Por telefone, uma moradora tentou tranquilizar a família que mora em outro bairro.Com medo de novos deslizamentos, um casal mandou os dois filhos para a casa de parentes e transformou a sala em quarto.

“Se a gente deitar lá em cima no quarto, talvez a gente durma e depois que dorme não vê nada”, justifica a doméstica Viviane Jacob Rosa.

O marido não suportou o cansaço. Já Viviane ficou acordada, de prontidão. Só às 5h, ela deu uma cochilada.

O sol ainda não tinha aparecido quando alguns moradores começaram a sair para o trabalho.

“Cochilei um pouquinho. O cachorro latiu e eu vim ver por que ele estava latindo. A gente fica com medo”, diz a garçonete Ruth Lopes.

Viviane e o marido acordaram às 6h30. “Eu espero que isso acabe logo, mas estou vendo que não”, comenta ela.

No mesmo bairro, três horas depois, outro morro cedeu e atingiu uma casa onde estavam três adolescentes e um bebê. Todos se salvaram.

“São milhares de pessoas que moram nessas áreas. Então, é impossível a prefeitura desenvolver em tão pouco tempo, em tão curto prazo, medidas que permitam colocar essas pessoas em segurança. São as recomendações que nós fazemos que talvez venham a minorar esse sofrimento”, afirma o coronel Jair Paca de Lima, coordenador da Defesa Civil.

Uma casa interditada pela Defesa Civil é o exemplo de quando uma situação chega ao limite. Os moradores precisaram ir embora. A porta já não abre, as paredes estão comprometidas, úmidas e com rachaduras. Na hora da chuva, a estrutura corre o risco de desabar a qualquer momento.

Segundo a Universidade de São Paulo, este é o janeiro mais chuvoso dos últimos 77 anos na Grande São Paulo. Na cidade de Cotia, um bairro está alagado há mais de uma semana. Com a chuva constante, o rio que corta a região invadiu as casas.

Entramos em várias casas, um cenário de muita tristeza.

“Não deu tempo de salvar nada, nada. Só os documentos que já estavam na bolsa. Nada de roupa”, conta uma moradora.

“É muito difícil você trabalhar para c onseguir as coisas e chegar num momento desses em que não consegue ficar mais dentro de casa. É muito difícil, muito difícil”, afirma a dona de casa Doralice dos Santos.

Informações sobre risco de inundações e temporais são captadas por um radar meteorológico, que fica em Salesópolis, outra cidade da Região Metropolitana. O equipamento, do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado, consegue rastrear, em um raio de 240 quilômetros, a intensidade e o deslocamento das chuvas.

“Os órgãos de Defesa Civil, os órgãos governamentais, as companhias de energia, têm condições, a partir desses dados, de saber com uma boa aproximação a que horas a chuva vai chegar em São Paulo, por exemplo”, explica o engenheiro José Antonio Boane.

Já um sensor transmite informações sobre o nível do rio e a quantidade de chuva no local. Existem 200 sensores na Grande São Paulo, 60 só na capital.

“Muitos investimentos estão sendo feitos, mas ainda são insuficientes face à gravidade do problema que tem uma cidade tão grande quanto a de São Paulo”, observa Flávio Conde, coordenador do Sistema de Alerta a Inundações.

Voltamos no sábado (23) à tarde ao Grajaú, na rua onde três pessoas da mesma família morreram soterradas. “Acreditamos que o solo está no limite. Esse solo está totalmente encharcado. Qualquer pingo d’água é suficiente para nós termos novos deslizamentos aqui na região”, constata o coronel Paca.

A entrevista é interrompida, começa o que todos temiam. “É chuva forte, temos que sair daqui. Temos que sair obrigatoriamente”, determina o coordenador da Defesa Civil.

Os moradores ficam aflitos.

“A gente fica do lado de fora da casa para ver se acontece alguma coisa. Paz e sossego você não tem, não”, lamenta uma moradora.

Em cinco minutos, a enxurrada invade as casas. Á água barrenta que desce das encostas rola pelas escadas.

As mães levam as crianças para locais que consideram mais seguros. Os trovões aumentam o clima de medo. O temporal de sábado atingiu outras regiões da capital paulista. Na Zona Oeste, um córrego transbordou e uma casa, que já estava com a estrutura comprometida, caiu, matando uma senhora de 50 anos. É a décima vítima em três dias.

“Até o final de março, é esperado que eventos como esses, que castigam a cidade, continuem acontecendo”, observa Flávio Conde.

“Qualquer chuva me preocupa, garoa ou chuva forte, toda chuva vai preocupar agora”, lamenta Viviane.

Do G1

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