terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Palavras dos pensadores

O velho fadista

(enviada por Cristina Santos)
A varanda de minha casa está virada a poente, por isso tem a vantagem de em dias claros, de inverno ou verão, receber a luz do sol durante quase toda à tarde.
Certa manhã ocupava-me das tais tarefas domésticas, quando vi a figura humilde e andrajosa de um homem; se não era muito idoso, estava maltratado pela vida e pelo tempo.
Para se deslocar recorria à ajuda de muletas, pois uma das pernas estava atrofiada. E me impressionou porque mesmo assim ainda conseguia transportar uma velha guitarra clássica!
Sentou-se em um bar em frente e começou a cantar. Assim que escutei a sua voz, estremeci! Era tão bela, como a de um anjo sereno e abençoado, embora triste. Aos poucos preencheu todo o ambiente, ecoou nas paredes, envolveu-me, elevou-me…
Percebi minhas lágrimas involuntárias que rolavam para o chão, pressenti as pessoas emocionadas que acorriam às varandas.  E as crianças estupefatas e maravilhadas que já não brincavam…
Compreendi que vivia um momento de efêmera eternidade, de comunhão com outras almas, como se por magia estivéssemos sidos chamados à outra dimensão, a um universo mais belo, onde talvez tudo fizesse sentido…
Ou talvez não!
Por fim, a sua voz calou-se e ficou um silêncio que tinha gosto de vazio, quase opressivo, mas logo as palmas troaram efusivas, os sorrisos iluminaram e as crianças gritaram bis entusiasmadas.
No entanto, o homem, como que completada a sua missão, preparou as muletas e continuou seu caminho.
Saí correndo e só descansei quando o alcancei, esbaforida. Era tão óbvio deduzir que o fado era o seu ganha-pão, que sem hesitar lhe apertei uma nota na mão, mas juro que foi apenas, quando comovida, o abracei e lhe pedi que nunca mais parasse de cantar, e o seu rosto enrugado e cansado se suavizou… e me sorriu!
Não voltei a vê-lo, mas quero acreditar que continua por outros caminhos, a chorar o seu fado, a cumprir a sua missão. Se por acaso ele passar aí perto, diga-lhe, por favor, que não o esqueci."
(Paulo Coelho)

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